terça-feira, 12 de agosto de 2014

Envelhecimento E Gerontologia

Textos sobre Envelhecimento

versão impressa ISSN 1517-5928

Textos Envelhecimento v.6 n.2 Rio de Janeiro  2003

 

Gerontologia e os pressupostos de Edgar Morin * Gerontology and the Edgar Morin presuppositions

Silvana Sidney Costa Santos1

Resumo
Este artigo de revisão bibliográfica teve por objetivo perceber a Gerontologia quanto ao conceito, classificação e objeto de trabalho, a partir dos pressupostos de Edgar Morin e a Teoria da Complexidade. Aqui reflito sobre a Gerontologia: a Geriatria e a Gerontologia Social; analiso o seu objeto de trabalho: o envelhecimento, o idoso e a velhice. Esta reflexão se faz a partir da Complexidade de Edgar Morin, em que a relação todo e partes não fecha os conceitos, mas os correlaciona, considerando que o envelhecimento é um processo, o idoso é um ser do seu espaço e do seu tempo e a velhice é a última fase do processo humano de nascer, viver e morrer. Encerra mostrando a necessidade atual de uma reforma do pensamento direcionada ao ensino dos idosos e dos profissionais que cuidarão deles. 
Palavras-Chave: Gerontologia; envelhecimento; idoso; velhice; educação.


Introdução
Este material reflexivo objetiva perceber a Gerontologia considerando-se conceito, classificação e objeto de trabalho, a partir dos pressupostos de Edgar Morin e a sua Teoria da Complexidade. Foi organizado para ser apresentado numa palestra ministrada na Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) - secção Pernambuco.
Foi no século XX, no Ocidente, que cuidar dos idosos tornou-se uma especialidade, iniciando-se como ciência, embora trabalhos precursores tenham sido realizados no século XIX. Na década de 30 a inglesa Marjorie Warren desenvolveu uma abordagem específica ao idoso, no controle de pacientes crônicos, em Londres. No século XX, o russo Metchinikoff apresentou um tratado onde correlacionava velhice a um tipo de auto-intoxicação e, nesse momento, referiu-se, pela primeira vez à palavra Gerontologia. Ainda nesse século, Nascher, geriatra americano, nascido em Viena, criou o termo Geriatria, um ramo da Medicina que trata das doenças que podem acometer os idosos. Mais tarde, foi criado o termo Gerontologia, como um ramo da ciência que se propõe a estudar o processo de envelhecimento em seus aspectos bio-psico-sociais e os múltiplos problemas que possam envolver o ser humano (Beauvoir, 1990).
Procurando entender o termo gerontologia, foi a partir de Salgado (1989, p.23) que encontrei o conceito mais amplo:
Gerontologia é o estudo do processo de envelhecimento, com base nos conhecimentos oriundos das ciências biológicas, psicocomportamentais e sociais [...] vêm se fortalecendo dois ramos igualmente importantes: a Geriatria, que trata das doenças no envelhecimento; e a Gerontologia Social, voltada aos processos psicossociais manifestados na velhice. Embora não se encontrem definitivamente explorados esses dois setores das pesquisas gerontológicas já apresentaram [...] contribuições para a elucidação da natureza do processo de envelhecimento, e provaram estar em condições de levantar questões sobre os problemas dele decorrentes.
Muitas vezes é possível verificar o parcelamento da Geriatria e da Gerontologia, quando o primeiro conceito surge a partir do segundo termo, tornando difícil o mais importante, que é cuidar do ser humano que envelhece ou já envelhecido, ajudando-o a conquistar uma melhor qualidade de vida, na sua última fase do processo humano de viver.
Esses conceitos direcionam a considerar a Gerontologia como sendo uma ciência ampla, tendo em seu bojo a Geriatria e a Gerontologia Social. Parece evidente que a explicitação e a análise da sua cientificidade trarão contribuições para tornar mais claros o seu padrão de construção, a sua configuração e a sua especificidade como ciência. Na opinião de Rodrigues e Rauth (2002), a Gerontologia não é uma disciplina unificada, mas um conjunto de disciplinas científicas que intervêm no mesmo campo, que necessitam empreender esforços interdisciplinares, os quais excedam os limites de seus próprios paradigmas e teorias, para criar concepções diferenciadas sobre o idoso e os fenômenos da velhice e do envelhecimento.
A justificativa de existência da Gerontologia está relacionada a questões sociais expressivas, tais como o aumento da expectativa de vida, acarretando problemas demográficos; a crescente demanda dos serviços de saúde para idosos e problemas epidemiológicos; a alta incidência e gastos elevados das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (DCNT); a questão das desigualdades sociais, originárias do modelo econômico e das relações sociais entre os seres humanos e entre as classes sociais; o exercício pleno da cidadania e outras questões de largo alcance, não deixando dúvidas sobre o caráter interventivo da Gerontologia. No entanto, cabe à Gerontologia não apontar a velhice como um problema social, mas conceber essa fase de vida e suas possibilidades como resultantes de ações multidimensionais.
Na compreensão de Papalléo Netto (2002), a Gerontologia é uma disciplina científica multi-interdisciplinar e, acrescento, transdisciplinar, tendo como finalidade o estudo dos idosos, as características da velhice como fase final do ciclo de vida, o processo de envelhecimento e seus determinantes biopsicossociais.
Papalléo Neto (2002) propõe a criação de uma nova área que melhor abarque a Gerontologia e que poderia ser denominada de Ciência do Envelhecimento, aglutinando pesquisas cuja interatividade potencialize o manejo da questão do envelhecimento em todas as suas áreas de abrangência e de construção do saber. Concordo com o autor e compreendo que, por meio da Ciência do Envelhecimento, poder-se-ia estudar o ser humano desde a concepção até a morte, tendo mais possibilidades de desenvolvimento da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade, por meio da inter-relação das faixas etárias e relações intergeracionais, considerando-se o curso de vida do ser humano, a sua totalidade e sua integração consigo próprio, com o outro e com o cosmo.
Quanto ao trabalho interdisciplinar em Gerontologia, entendendo interdisciplinar como o primeiro passo para a transdisciplinaridade. Percebo que isso se torna possível quando realizado através da participação em núcleos e grupos de estudo e pesquisa, junto com outros profissionais ou através da participação em eventos específicos da área, pois nessas oportunidades os vários estudiosos do assunto terminam por defenderem idéias que podem ser comuns entre si. Mas é importante não esquecer que se pode ser interdisciplinar sozinho, já que tal postura pode representar o enfrentamento de nova perspectiva diante de um mundo carente de solidariedade, de ética responsável, onde falta amor a si próprio, aos outros seres humanos, aos seres não humanos e a nossacasa: o planeta Terra.
Em relação à pesquisa Gerontológica, constata-se um pequeno avanço na área da saúde, porém com algumas possibilidades a serem desenvolvidas, tais como as relacionadas ao pequeno número de trabalhos apresentados em eventos e principalmente publicados. Os livros-resumo dos congressos são a maior fonte dos poucos trabalhos publicados em forma de resumo, pelo menos na Enfermagem, principalmente porque ela se torna uma via de fácil acesso aos profissionais. Existem alguns livros nacionais publicados sobre a Gerontologia e seus ramos específicos: a Geriatria e a Gerontologia Social. Porém torna-se necessária uma maior publicação de livros brasileiros que sirvam de guia para o aluno dos cursos de graduação e pós-graduação.
Penso que as questões geriátricas voltadas à saúde e à doença, às alterações surgidas na velhice e às outras interfaces biológicas são as mais exploradas. Já as questões referentes às relações sociais dos idosos e às dificuldades enfrentadas nas suas relações com os outros seres humanos necessitam ser estudadas com mais empenho pelos profissionais de enfermagem e da saúde em geral.
É importante ressaltar que o profissional que deseja atuar na Gerontologia, seja como geriatra, seja como gerontólogo social, necessita desenvolver algumas aptidões ou qualidades singulares: Berger (1995) destaca sensibilidade e empatia, maturidade e capacidade de adaptação, amor pelos outros, objetividade e espírito de crítica, sentido social e sentido comunitário, flexibilidade e polivalência e, principalmente, criatividade. Entendo que essas aptidões ou qualidades singulares podem ser estimuladas através de uma formação específica em Gerontogeriatria e que essa formação necessita ser uma preocupação dos responsáveis diretos pela elaboração dos currículos dos cursos da área da saúde e também dos docentes responsáveis pela especialização, residências, mestrados e doutorados, que são sensíveis ao cuidado direcionado ao idoso.
Conceitos importantes da Gerontologia
Envelhecimento
Sobre o conceito de envelhecimento cabe relembrar que esse é um processo que ocorre durante o curso de vida do ser humano, iniciando-se com o nascimento e terminando com a morte. Alguns autores apontam que o processo de envelhecimento "começa no útero e termina no túmulo". É importante que os profissionais da área, o professor e principalmente o aluno percebam as diferenças, semelhanças e inter-relações entre os conceitos de idoso, envelhecimento e velhice, objeto do trabalho e do estudo da gerontogeriatria.
O processo de envelhecimento provoca no organismo modificações biológicas, psicológicas e sociais; porém é na velhice que esse processo aparece de forma mais evidente. As modificações biológicas são as morfológicas, reveladas por aparecimento de rugas, cabelos brancos e outras; as fisiológicas, relacionadas às alterações das funções orgânicas; as bioquímicas estão diretamente ligadas às transformações das reações químicas que se processam no organismo. As modificações psicológicas ocorrem quando, ao envelhecer, o ser humano precisa adaptar-se a cada situação nova do seu cotidiano. Já as modificações sociais são verificadas quando as relações sociais tornam-se alteradas em função da diminuição da produtividade e, principalmente, do poder físico e econômico, sendo a alteração social mais evidente em países de economia capitalista.
A percepção de Morin (1999b) acerca do processo de envelhecer é de que o ser humano, rejeitando a morte como rejeita, recusando-a com todas as suas forças, tende a rejeitar também a velhice; talvez por ser a fase da vida que mais se aproxima da morte, tornando a velhice um peso. Para esse autor, sendo o ser humano marcado pela consciência da tragédia da morte, ele tenta inventar os mitos para negá-la ou para encontrá-la, pensando nos meios para aceitá-la. Sendo assim, dá-se conta de que o problema da consciência e do ser humano é atravessado pelo tempo e tornado trágico pela morte. Essa ação se traduz em agonia para o ser humano, principalmente durante a velhice. Complementando, Morin (Pena-Vega; Almeida; Petraglia, 2001, p. 78) afirma que "não encaramos as tragédias da idade, se não encararmos diretamente a tragédia da morte". Para esse autor, mesmo a aproximação com o lado espiritual de alguns idosos, nesta última fase do processo de viver, surge, não para o crescimento deles como seres humanos, não para angariar pontos para a vida eterna, mas como uma defesa contra a morte.
Em outro momento, Morin afirma: "eu acredito que somente podemos aceitar a morte se vivermos plenamente" (Pena-Vega; Almeida; Petraglia, 2001, p. 82). Com essa afirmação, lembra que é importante assumir a dialógica vida-morte e compreender a fórmula de Heráclito viver da morte, morrer de vida, que se encontra plenamente comprovada na medida em que, para começar, nós vivemos da morte de nossas células, sendo a vida o que resiste à morte. Para resistir, porém, ela utiliza justamente a morte e, sendo assim, esse antagonismo fundamental comporta uma certa colaboração por parte da vida.
Morin acredita que é difícil perceber a origem, o motor do processo de envelhecer, pois para ele o caráter patológico da velhice manifesta-se em três planos: no social; na percepção de que a velhice sadia é patológica enquanto velhice em si; na própria morte que é patológica e é aproximada pela velhice. Finalizando suas reflexões, Morin aceita que a velhice e a morte estão inscritas na herança genética humana e que são "coisas normais e naturais, porque uma e outra são universais e não sofrem qualquer exceção entre os ‘mortais’" (Morin, 1997, p. 320).
Dentre os princípios de identidade do sujeito descritos por Morin (1999a, p. 121), um deles tem uma relação mais direta com o processo de envelhecer. É o que o autor denomina de inseparável, o qual ocorre quando o eu continua o mesmo a despeito das suas modificações internas (nas mudanças de humor), do si mesmo (nas modificações físicas devidas à idade). Esse autor concorda que o ser humano modifica-se somaticamente do nascimento até a morte, porém o ser humano continua o mesmo. Diz de si: quando eu era criança, quando eu era adolescente [...]. Ele é sempre o mesmo eu, apesar de suas características exteriores ou físicas irem modificando-se, e neste momento Morin (1999a) correlaciona a permanência da auto-referênciaa despeito das transformações e através das transformações.
No momento, existem pesquisas que apontam para o envelhecimento como processo fluido, cambiável e que pode ser acelerado, reduzido, parado por algum tempo e até mesmo revertido. O processo de envelhecimento pode ser reformulado quando se utiliza, de forma adequada, a conexão mente e corpo e quando se considera o valor da alimentação, a importância da relação com o mundo exterior e a importância do exercício do silêncio interior. Esses estudos, realizados nas três últimas décadas do século XX, têm comprovado que o envelhecer é muito mais dependente do próprio ser humano do que se imaginou em épocas passadas. Um dos defensores dessa teoria é Chopra (1999, p.19). Na sua compreensão,
embora os sentidos lhe digam que você habita um corpo sólido no tempo e no espaço, esta é tão-somente a camada mais superficial da realidade. Esta inteligência é dedicada a observar a mudança constante que tem lugar dentro de você. Envelhecer é uma máscara para a perda desta inteligência.
Esses estudos são pautados na Física Quântica, na qual não há fim para a dança cósmica. Penso que essa realidade trazida pela Física Quântica possibilita, pela primeira vez, manipular a inteligência invisível que está como pano de fundo para o mundo visível, e alterar o conceito de envelhecimento.
Partindo dessa contextualização e das reflexões aqui tecidas, considero o envelhecimento processo universal, que não afeta só o ser humano, mas a família, a comunidade e a sociedade, tendo a velhice como sua última fase. Lembro que o número de idosos está crescendo proporcionalmente no Brasil, existindo mais mulheres idosas e sós do que homens idosos. Acrescento que a velhice é um processo normal, dinâmico, e não uma doença. E que são notórias as desigualdades e as especificidades nesse contingente populacional, as quais se refletem na expectativa de vida, na morbidade, na mortalidade prematura, na incapacidade e na má qualidade de vida.
Por tudo isso, como profissionais da saúde, urge que passemos a discutir pré-requisitos básicos direcionados à melhoria da qualidade de vida do idoso, considerando a multidimensionalidade que cerca o processo de envelhecer e as necessidades que cada velhice, de cada ser humano, demande. Trata-se de considerar questões como: alimentação e saneamento básico adequados, moradia segura, acesso aos serviços de saúde, cidadania, dentre outras. Uma oportunidade para iniciar essa reflexão é no processo de formação do ser humano, no seio familiar e durante o período de escolaridade, desde o pré-escolar, no ensino fundamental, ensino médio e ensino superior. Isso se torna mais urgente nos cursos de saúde, incluindo a enfermagem, onde se impõe, por conseguinte, a inclusão do ensino de conteúdos gerontogeriátricos que capacitem os alunos, futuros profissionais, para cuidar do idoso.
Idoso
Para Organização das Nações Unidas – ONU (1982), o ser idoso difere para países desenvolvidos e para países em desenvolvimento. Nos primeiros, são considerados idosos os seres humanos com 65 anos e mais; nos segundos, são idosos aqueles com 60 anos e mais. No Brasil, é considerado idoso quem tem 60 anos e mais. Ou ainda, para determinadas ações governamentais, considerando-se as diferenças regionais verificadas no país, aquele que, mesmo tendo menos de 60 anos, apresenta acelerado processo de envelhecimento (Brasil, 1996). Essa definição foi estabelecida pela ONU, em 1982, através da Resolução 39/125, durante a Primeira Assembléia Mundial das Nações Unidas sobre o Envelhecimento da População, relacionando-se com a expectativa de vida ao nascer e com a qualidade de vida que as nações propiciam a seus cidadãos.
Apesar de ser dos menos precisos, o critério cronológico é um dos mais utilizados para estabelecer o ser idoso, até para delimitar a população de um determinado estudo, ou para análise epidemiológica, ou com propósitos administrativos e legais voltados para desenho de políticas públicas e para o planejamento ou oferta de serviços.
Considerando a relação do todo com as partes e vice-versa, o ser idoso não pode ser definido só pelo plano cronológico, pois outras condições, tais como físicas, funcionais, mentais e de saúde, podem influenciar diretamente na determinação de quem o seja. Porém, vejo como necessária uma uniformização com base cronológica do ser humano idoso brasileiro, a ser utilizada principalmente no ensino, considerando idoso, no Brasil, quem tem 60 anos e mais.
No entendimento de Morin (2000a), vivemos todas as idades precedentes. Ele conta que envelheceu aos dez anos com a morte da sua mãe, mesmo ainda sendo uma criança e, até hoje, com mais de 80 anos, conserva a curiosidade e o questionamento da infância. Esse autor complementa que
É agora, quando se misturam envelhecimento e rejuvenescimento, que sinto em mim todas as idades da vida. Sou permanentemente a sede dialógica entre infância/adolescência/maturidade/velhice. Evoluí, variei, sempre segundo essa dialógica. Em mim, unem-se, mas também se opõem, os segredos da maturidade e os da adolescência (Morin, 2000b, p. 256).
Morin (2000b) chama-nos a atenção para a perda de autoridade que o idoso enfrenta à medida que o desenvolvimento das civilizações acontece. Para esse autor, os impulsos juvenis aceleram a história, tornando-se mister não mais a experiência acumulada, mas o que Morin denomina de "adesão ao movimento" (Morin, 2000b, p. 147), o que torna a experiência dos idososdesusada.
Na compreensão de Morin, a partir da Segunda Guerra Mundial, os atores e atrizes que ultrapassavam os 50 anos passam a fazer sucesso, não significando, porém, que a juventude tenha deixado de ser exigência do cinema, mas significando que "a idade do envelhecimento recuou" (Morin, 2000b p.152). Esses atores e atrizes representam seres humanos que cronologicamente envelheceram, mas que continuaram jovens física e psicologicamente, ou seja, continuaram ativos, aventurosos e amorosos.
        Cria-se um novo modelo de ser humano, aquele
em busca de sua auto-realização através do amor, do bem-estar, da vida privada. É o homem e a mulher que não querem envelhecer, que querem ficar sempre jovens para sempre se amarem e sempre desfrutarem do presente" (Morin, 2000b p. 152).
Através dessa percepção, Morin nos incita a perceber que o rejuvenescimento se democratiza, e os seres humanos cada vez mais correm em busca de meios para alcançá-lo (ginásticas, dietas, cirurgias plásticas e outros); o que significa, "metafisicamente, um protesto ilimitado contra o mal irremediável da velhice" (Morin, 2000b p. 157).
Em um conceito mais transdisciplinar do ser idoso, Sá (2002, p. 1120) nos brinda com a seguinte declaração:
O idoso é um ser de seu espaço e de seu tempo. É o resultado do seu processo de desenvolvimento, do seu curso de vida. É a expressão das relações e interdependências. Faz parte de uma consciência coletiva, a qual introjeta em seu pensar e em seu agir. Descobre suas próprias forças e possibilidades, estabelece a conexão com as forças dos demais, cria suas forças de organização e empenha-se em lutas mais amplas, transformando-as em força social e política.
Velhice
Quanto à velhice, o seu conceito necessita ser visualizado como a última fase do processo de envelhecer humano, pois a velhice não é um processo como o envelhecimento, é antes um estado que caracteriza a condição do ser humano idoso. O registro corporal é aquele que fornece as características do idoso: cabelos brancos, calvície, rugas, diminuição dos reflexos, compressão da coluna vertebral, enrijecimento e tantos outros. No entanto, essas características podem estar presentes em pessoas não idosas, como ainda é possível ser idoso e através de plásticas, uso de cremes e ginásticas específicas, mascarar-se a idade. Torna-se, então, difícil fixar a idade para entrar na velhice, pois não dá para determinar a velhice pelas alterações corporais.
Percebo que, embora se reconheça a velhice apenas no outro ser humano e não em quem a está vivenciando, ou seja, no eu, nodono do corpo que envelhece, integrado na dimensão temporal da existência, reconhece-se, a cada momento e de forma renovada, que a velhice parece galgar novos limites. Esses limites poderão ser cada vez mais altos se o idoso reconhecer-se, aceitar-se e integrar-se à sua família e comunidade, porque essas ações terminam por torná-lo reconhecido, aceito e integrado por todos.
Fernandes (1997) alerta que, seja qual for a ótica em que se discuta ou escreva acerca da velhice, é desejável respeitar os direitos intangíveis ou intocáveis do cidadão idoso. Essas situações dizem respeito a quatro pontos especiais, que são: tratamento eqüitativo, através do reconhecimento de direitos pela contribuição social, econômica e cultural, em sua sociedade, ao longo da sua vida; direito à igualdade, por meio de processos que combatam todas as formas de discriminação; direito à autonomia, estimulando a participação social e familiar, o máximo possível; direito à dignidade, respeitando sua imagem, assegurando-lhe consideração nos múltiplos aspectos que garantam satisfação de viver a velhice.
Na compreensão de Beauvoir (1990), a velhice é o que acontece aos seres humanos que ficam velhos; impossível encerrar essa pluralidade de experiências num conceito, ou mesmo numa noção. Pelo menos, pode-se confrontá-los, tentando destacar deles as constantes e dar razões às suas diferenças. Essa autora mostra a complexidade do conceito de velhice e deixa claro que não se trata de eliminar o conflito, mas de reconhecê-lo como elemento capaz de mexer com as organizações e manter um clima propício à mudança. Não se trata de homogeneizar, mas de integrar as diferenças. Beauvoir (1990) lembra ainda que, uma vez que em nós é o outro que é velho, a revelação de nossa idade vem através dos outros, referindo que, mesmo enfraquecido, empobrecido, exilado no seu tempo, o idoso permanece, sempre, o mesmo ser humano.
No entendimento de Martins (2002), a velhice pode ser considerada um conceito abstrato, porque diz respeito a uma categoria criada socialmente para demarcar o período em que os seres humanos ficam envelhecidos, velhos, idosos. Em seu estudo, essa autora identificou que foi mais fácil aos seus pesquisados (adolescentes, adultos e idosos) definirem o velho (aquele que se sente velho) ou o idoso (aquele que, mesmo tendo idade avançada, não se sente velho, porque é ativo, participativo), por essas definições apresentarem um caráter mais concreto e porque, através dos idosos, pode-se identificar as características da velhice.
Como descreve Martins (2002), os fenômenos do envelhecimento e da velhice e a determinação de quem seja idoso, muitas vezes, são considerados com referência às restritas modificações que ocorrem no corpo, na dimensão física. Mas é desejável que se perceba que, ao longo dos anos, são processadas mudanças também na forma de pensar, de sentir e de agir dos seres humanos que passam por essa etapa do processo de viver. Complemento, acrescentando que o ser humano idoso tem várias dimensões: biológica, psicológica, social, espiritual e outras que necessitam ser consideradas para aproximação de um conceito que o abranja e que o perceba como ser complexo.
Também, Bobbio (1997) relata que a velhice não é uma cisão em relação à vida precedente, mas é, na verdade, uma continuação da adolescência, da juventude, da maturidade que podem ter sido vividas de diversas maneiras. Para esse autor, também as circunstâncias históricas, que ele relaciona tanto à vida privada quanto à vida pública, exercem muita importância nos determinantes da velhice.
Porém, mesmo não sendo idoso, em livros publicados em época passada, Morin correlaciona o processo de envelhecimento e principalmente a fase de velhice com situações de perdas, com a morte, enfim, com um certo pessimismo. Bobbio (1997), também e de forma sutil, lembra as limitações e perdas que a velhice traz para os seres humanos. Na verdade tenho me deparado com mais situações negativas do que favoráveis relacionadas à velhice. Isto a partir dos meus avós e de outros idosos com quem convivi e convivo. É complexo, mas desejável, admitir que envelhecer não é fácil e que nesse processo é possível verificar uma situação dialógica, onde convivem o medo e as perdas com os ganhos e as boas expectativas.
No entendimento de Lima (2001), a velhice está surgindo como uma possibilidade de se pensar uma nova maneira de ser velho, justificada essa afirmação pelo fato de que os idosos estão se organizando em movimentos que avançam politicamente na discussão de seus direitos. A velhice, vista como representação coletiva, começa, mesmo que de forma tímida, a mostrar outro estilo de vida para os idosos, que ao invés de ficarem em casa, isolados, saem em busca do lazer, saem para os bailes, para as viagens, os teatros, os bingos, os grupos, os clubes e universidades abertas à terceira idade. O movimento referido emerge com uma força ainda desconhecida por aqueles que o vivenciam, de sujeitos que tornam visível a possibilidade de modificação da velhice, tirando os rótulos e contestando os mitos.
Considerações finais
Neste novo milênio, é desejável tomar consciência de que, para sobreviver, temos de mudar o paradigma do desenvolvimento econômico para um paradigma de desenvolvimento a favor do ser humano. Morin (1999a) sugere a busca da hominização, que é o desenvolvimento das potencialidades psíquicas, espirituais, éticas, culturais e sociais. Para que isso possa ocorrer, torna-se desejável ter-se como meta do desenvolvimento o viver melhor, o viver verdadeiramente, significando viver com compreensão, solidariedade e compaixão.
E, para se alcançar essa forma de viver, torna-se necessário considerar a reforma do pensamento, proposta por Edgar Morin. Mas como começar essa reforma de pensamento na sociedade em relação à velhice, se a sociedade afirma que os idosos não aprendem? Surge, então, a possibilidade de uma reforma do pensamento para os idosos, que é possível através de uma educação transformadora, para que os seres humanos possam perder seus medos e enfrentar o envelhecimento com muitas possibilidades diferentes das que foram programadas e estigmatizadas.
A importância da educação, não só para os profissionais que cuidarão dos seres humanos idosos, mas para os próprios idosos e para a sua família parece ser uma saída para trabalhar melhor os estigmas que a sociedade e o próprio idoso insistem em assumir em relação à velhice. Não é qualquer educação direcionada aos idosos que vai trazer transformações necessárias para que o idoso e a sociedade mudem de atitude. Há possibilidade de uma educação permanente, planejada com base em um alicerce de equilíbrio dinâmico entre a sua imanência e a sua transcendência. Por imanência, entenda-se a expressão do idoso diante de sua situação humana, do seu cotidiano, o que ocorre no seu círculo de vida privada, nos afazeres domésticos, nos hábitos, nas tradições culturais, enfim na dimensão inevitável de limitações e de sombras que marcam a vida. Por transcendência, o fato de o idoso mostrar toda a sua criatividade, sua capacidade de romper barreiras, de sonhar, de transforma-se em luz. Essa é uma responsabilidade maior dos gerontólogos, geriatras e gerontólogos sociais.
Notas
*Material retirado, em parte, da tese, da mesma autora, intitulada: "O ensino da Enfermagem gerontogeriátrica no Brasil de 1991 a 2000 à luz da Complexidade de Edgar Morin", defendida em 21/02/2003, no Doutorado em Enfermagem da UFSC.
1Enfermeira. Professora da Faculdade de Enfermagem N.Sa. das Graças (FENSG). Universidade de Pernambuco (UPE). Doutora em Enfermagem Especialista em Gerontologia Social (SBGG).  
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ABSTRACT
This paper of bibliographic revision aimed to perceiver the Gerontology about the concept, classification and the object of work, based on the Edgar Morin’s presuppositions. Here I reflect about the Gerontology; I analyze your object of work: the age, the old man and the oldness. This reflection is seen under the Complexity of Edgar Morin, where the relationship totality and parts do not close the concepts but it correlates them among themselves, known to be the age like a process, the old man a being of your space and your time and the oldness the last phase of the process of to born, to life and to die human. Finish showing the actual necessity of a reform of the thought pointed to the teaching to the old man/woman and to the professionals that will care these old men/women. 
Keyword: Gerontology, age; old man; oldness; education.



Recebido para publicação em: 19/09/2003 
Aprovado em: 30/09/2003 
Correspondência para: 
Silvana Sidney Costa Santos 
Av João de Barros, 633 bl B aptº 1404 
Recife, PE – CEP 5010-0202 

Fonte: http://revista.unati.uerj.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-59282003000200006&lng=pt


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