segunda-feira, 12 de maio de 2014

Infecção Urinária de Repetição

Infecção Urinária de Repetição


Introdução

As infecções urinárias (ITUs) recorrentes são comuns, especialmente nas mulheres independente da faixa etária. Apesar de um problema comum na prática clínica diária, ainda se apresenta como um desafio ao médico, sem mencionar os custos e a grande morbidade impostos às pacientes. A maioria dos novos episódios de ITUs que acometem uma paciente com histórico prévio de ITU representa realmente uma nova infecção (recorrência), sendo uma pequena parcela causada pela persistência da infecção prévia
(recidiva). Esta diferenciação não é somente didática, mas prática. Pacientes com recidiva merecem investigação uro-gincecológica mais extensa e tratamento prolongado.
Muitas vezes os médicos, e mesmo os pacientes e seus familiares, sentem-se obrigados a considerar a possibilidade de quadros de imunodeficiências nos pacientes que apresentam ITUs recorrentes. Entretanto, como regra geral, os pacientes que apresentam apenas ITUs, sem outros quadros infecciosos associados, na sua quase totalidade não apresenta fatores imunológicos. Alguns poucos, principalmente nos quadros recidivantes, podem apresentar fatores anatômicos, e a grande maioria não tem fatores identificados.

Epidemiologia

Infecções do Trato Urinário (ITUs) estão entre as infecções bacterianas mais comuns. Dados do National Institute of Health (NIH) apontam até 8.000.000 de consultas médicas nos Estados Unidos, principalmente por cistite, e 100.000 internações / ano (principalmente pielonefrite) [1,2] Mesmo entre mulheres jovens, saudáveis, sem alterações anatômicas ou fisiológicas do trato urinário, ITUs não complicadas são comuns, acometendo mais de 20% das mulheres. Muitas não buscam atendimento médico e recebem os mais diversos tratamentos. Isso sem mencionar que parcela não desprezível dos episódios de ITUs não complicados (cistites) são auto- limitados. Da mesma forma, a recorrência ocorre em até 1/3 das mulheres dentro de 6 meses do primeiro episódio. Um terceiro episódio acomete cerca de 2,7% das mulheres que tiveram o segundo episódio [3,4]. São diversos os fatores associados com maior risco de recorrência, porém sua ocorrência costuma ser observada nos primeiros 3 meses após o episódio inicial. [5,6] Os dados de recorrência para infecções urinárias complicadas e pielonefrites recorrentes são mais escassos.

Patogenia

Os quadros de infecção urinária, conforme abordado em capítulos anteriores, têm sua origem principalmente na colonização periuretral de uropatógenos provenientes da flora gastrointestinal, ocorrendo a invasão ascendente das vias urinárias. Este fato não parece ser diferente nos quadros recorrentes [7]. Para caracterizar uma ITU recorrente, a nova infecção deve ser causada por um agente diferente. Entretanto, como as infecções podem recorrer com o mesmo microorganismo, é muito difícil sem ferramentas moleculares avançadas caracterizar os quadros como recorrentes ou recidivantes somente com este critério. Principalmente nos casos com E. coli, o microorganismo responsável pela infecção inicial pode persistir na flora fecal apesar de ter sido eliminado do trato urinário. De tal forma, pode haver nova colonização e
infecção [8]. Em termos clínicos e práticos, caracteriza-se arbitrariamente o quadro como recidivante se a mesma bactéria é isolada dentro de 2 semanas do fim do tratamento. De tal forma, os episódios serão considerados recorrentes (nova infecção) se houver um intervalo superior a 2 semanas, mesmo com o isolamento do mesmo microorganismo. Outra forma prática de caracterizar recorrência, descartando persistência (recidiva), é a comprovação de uma cultura negativa entre os 2 episódios, independente do intervalo.

Fatores de risco

Muitos são os fatores que aumentam os riscos de ITUs recorrentes e recidivantes que devem ser investigados, pois podem impactar na conduta médica [9]. Mulheres com ITUs recorrentes apresentam maior tendência para colonização vaginal recorrente por uropatógenos, mesmo durante períodos assintomáticos. Entre outros fatores, parece haver maior aderência bacteriana a mucosa urogenital. [10, 11,12]. Fatores genéticos parecem explicar esta situação, nos casos em que não existem outros fatores  anatômicos ou sexuais. Os fenótipos Não-secretores de antígenos sanguíneos ABO e P1 são encontrados mais freqüentemente entre as meninas e mulheres com ITUs recorrentes e recidivantes [13,14]. Outros fatores como receptores de Interleucinas tem sido avaliados. Entre os fatores mais evidentemente associados com recorrência de ITU estão certamente questões comportamentais ligadas às práticas sexuais. Relação sexual recente e freqüência das relações sexuais, além do uso de espermicidas em diafragmas (também associados com preservativos) são fatores preditores independentes de risco [15,16,17]. Outros fatores de risco para ITU e também para ITU recorrente são: História familiar; ITU antes dos 15 anos de idade; Novo parceiro sexual; Uso recente de antibiótico [17,18]. Não existem evidências suficientes para considerarem-se os seguintes itens como fatores de risco: urinar ou não após relação sexual, duchas higiênicas, obesidade, uso de banheiras, manter a bexiga repleta por períodos prolongados. Entretanto, não raramente recomendam-se mudar algumas destas situações no pacote de medidas preventivas [17]. Fatores anatômicos e fisiológicos devem ser procurados principalmente nos quadros recorrentes de crianças (Ver capítulo de ITU em crianças). Entretanto existem alguns dados que sugerem que mulheres adultas com ITU recorrente também podem apresentar uma menor distância entre a uretra e o ânus. Por outro lado, fatores fisiológicos e anatômicos ligados a menopausa são reconhecidos como fatores de risco para ITU recorrente. Destacam-se: Incontinência urinária, cistocele, resíduo pós-miccional [19]. Da mesma formaque fatores obstrutivos ligados a doenças prostáticas estão relacionados a ITUs recorrentes e recidivantes em homens (Ver capítulo de ITU em Idosos), sem mencionar o uso de cateteres urinários. Além dos fatores ligados ao hospedeiro, sempre existem fatores ligados aos patógenos, entretanto este fatores não foram ligados a recorrência das ITUs.

Avaliação complementar

Como regra geral, pode-se dizer que avaliações urológicas e imunológicas em mulheres com ITUs recorrentes são desnecessárias. Estudos com urografia excretora e   cistoscopia de rotina apontam raras alterações significativas [20] para justificar seu uso rotineiro. Mesmo mulheres jovens com pielonefrite não têm necessidade de realizar ecografia de vias urinárias, excetuando-se casos com resposta lenta ao tratamento [21]. Avaliações adicionais devem ser consideradas para homens e para casos
selecionados baseados em uma anamnese criteriosa. Principalmente os casos que forem caracterizados como recidiva (persistência) merecem pronta investigação. Um exemplo a se considerar são as ITUs recorrentes e recidivantes por Proteus spp. que podem estar habitualmente associadas com a presença de cálculos. Outra situação são os casos de elevada recorrência em mulheres sem fatores de risco ou hematúria persistente após tratamento da ITU. Caso sejam necessárias avaliações adicionais recomenda-se iniciar com ecografia das vias urinárias ou tomografia, para avaliar principalmente a presença de cálculos ou outros fatores obstrutivos.

Prevenção

Não cabe a este capítulo rever as medidas e estratégias de prevenção. Entretanto, destacam-se como medidas eficazes para se evitar o uso desnecessário de antibióticos:

1.
Contraceptivos:
Mulheres
sexualmente
ativas
que
usam
espermicidas (Principalmente associados com diafragmas)
devem rever seu comportamento sexual e sua escolha de método
anticonceptivo.

2. Aumentar o consumo de líquido / Micção pós-coito: Apesar de
poucas evidências, é aceitável sua recomendação rotineira por se
tratar de condutas não invasivas, baratas e de fácil aplicação.

3. Consumo de Sucos de Cranberry: Como a fruta não está disponível
facilmente no Brasil, troca-se por outras frutas cítricas. As evidências
são questionáveis, porém há metanalise favorável ao seu uso [22]

Antibioticoprofilaxia

O uso de antibióticos profiláticos para mulheres jovens com ITUs recorrentes é altamente eficaz mas deve ser feito de forma muito bem ponderada, por não ser esta prática infalível ou isenta de riscos [23]. Não raramente encontram-se mulheres tomando antibióticos profiláticos em dose inadequada, por tempo demasiadamente prolongado e/ou sem indicação. De forma muito simplificada, recomenda-se este tipo de profilaxia para as mulheres com >2 episódios de ITU sintomática em 6 meses ou .3 em 12 meses. Deve-se individualizar o uso de profilaxia contínua ou somente pós-coito, conforme a história da paciente. Os dados para antibioticoprofilaxia em crianças são menos contundentes pela falta de estudos com desenho adequado [24]. As melhores opções e os melhores regimes terapêuticos também devem ser individualizados, baseando-se, entre outros em: perfil de sensibilidade das ITUs prévias, alergias, intolerâncias, custo.Um ponto fundamental é confirmar que a paciente apresenta urocultura negativa antes do início de qualquer regime profilático. Outras medidas profiláticas Mulheres pós-menopausa devem ser avaliadas pelo seu ginecologista, pois habitualmente o uso de cremes vaginais a base de estriol reduzem a recorrência significativamente [25]. O uso de auto-tratamento orientado não é exatamente uma medida profilática,
mas tem sido usado com bons resultados em casos selecionados [26]. Uso de probióticos e imunoestimuladores também vem sendo avaliada, enquanto não surgem vacinas eficazes.

Tratamento

O tratamento das ITUs recorrentes segue os mesmos conceitos de tratamento de um episódio isolado, os quais serão abordados em outros capítulos. Cabe ressaltar o desafio crescente, especialmente nestes casos recorrentes, das elevadas taxas de resistência identificadas na comunidade. Como apresentado, mesmo a primo infecção vem apresentando aumento gradual nas taxas de falha devido à resistência bacteriana. Outro ponto de destaque são as ITUs caracterizadas como recidivantes. Toda vez que uma ITU é caracterizada como recidivante, significa que houve persistência da infecção e, portanto, além de investigar fatores anatômicos, deve-se considerar tratamento prolongado (4 a 6 semanas).

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Fonte: http://infectopedia.com/genitourinario/infeccao-urinaria-de-repeticao


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