segunda-feira, 5 de maio de 2014

Hirsutismo

Hirsutismo

Autores: Cláudia Braga Monteiro Abadesso Cardoso1, Maria Alice Neves Bordallo2, Cristina Kayat Awad3

Descritores: hiperandrogenismo; hirsutismo; virilização
Resumo:
Fisiologia dos androgênios e do crescimento do pêlo. Características do hirsutismo e da hipertricose. Etiologia e abordagem diagnóstica. Hirsutismo idiopático. Causas ovarianas e adrenais de hirsutismo. Tratamento. 



INTRODUÇÃO 

A avaliação de uma paciente com hirsutismo requer o conhecimento da fisiologia dos androgênios e do crescimento do pêlo. A unidade polissebácea é formada por folículo piloso, glândula sebácea e músculo eretor do pêlo. O primeiro pode ser classificado em:

- pêlo veloso: fino, curto, macio e não-pigmentado, predominando na infância; 

- pêlo terminal: grosso, longo e pigmentado, também chamado de pêlo sexual.

A transformação do pêlo veloso em terminal é um processo dependente de androgênio. A sensibilidade a esta transformação deriva de características genéticas e raciais e das áreas acometidas. As regiões mais sensíveis do corpo são a axilar e a pubiana, seguidas, em ordem, pelas labial superior, abdominal inferior, maxilar, torácica e lombar.

Hirsutismo refere-se à transformação do pêlo veloso em pêlo terminal com distribuição masculina, geralmente causada por estimulação androgênica excessiva.

A virilização representa uma forma mais severa de hiperandrogenismo, em que o hirsutismo é encontrado junto com outros sinais como acne, calvície temporal, engrossamento da voz, aumento da massa muscular e/ou clitoromegalia. Deve ser avaliada rapidamente, pois pode ser um sinal de tumor ovariano ou adrenal.

Hipertricose é o crescimento excessivo de pêlo veloso, mas deve ser diferenciada do hirsutismo. Os pêlos geralmente estão distribuídos em áreas não-sexuais, como a região lombar e os braços. A hipertricose generalizada pode ocorrer na anorexia nervosa, no hipotireoidismo, na porfiria, em certas doenças do sistema nervoso e com o uso drogas (fenobarbital).

Os androgênios podem originar-se das suprarenais, dos ovários ou da conversão periférica dos precursores. Os principais androgênios produzidos e secretados na circulação de mulheres normais são a testosterona, a androstenediona, principal androgênio secretado pelo ovário, a deidroepiandrosterona (DHEA) e o sulfato de deidroepiandrosterona (SDHEA). Na presença de um tumor ou no aumento do estroma ovariano, a testosterona torna-se o principal hormônio secretado.

Os esteróides sexuais representam subprodutos intermediários na síntese dos glicocorticóides e mineralocorticóides pela supra-renal, e a secreção excessiva de androgênios ocorre apenas nos casos de neoplasias ou deficiências enzimáticas.


ETIOLOGIA DO HIRSUTISMO/HIPERANDROGENISMO 

  • ORIGEM OVARIANA:


  • - síndrome dos ovários policísticos (SOP); 

    - tumores.

  • ORIGEM ADRENAL:


  • - síndrome de Cushing; 

    - tumores; 

    - hiperplasia adrenal congênita, forma não-clássica: deficiência de 21-hidroxilase, 11β-hidroxilase, 3β-hidroxiesteróide desidrogenase.

  • MEDICAMENTOS:


  • - esteróides anabolizantes; 

    - danazol: utilizado no tratamento da endometriose; 

    - 19-norprogestina, usada nas pílulas anticoncepcionais; 

    - fenitoína: anticonvulsivante.

  • HIRSUTISMO IDIOPÁTICO


  • Forma mais comum de hirsutismo, suas portadoras têm predisposição genética que produz hipersensibilidade em níveis normais de androgênios circulantes. Os ciclos menstruais são regulares e as dosagens hormonais, normais.


    AVALIAÇÃO CLÍNICA 

  • HISTÓRIA:


  • - etnia; 

    - história familiar de hirsutismo; 

    - idade da menarca; - idade de início e evolução do hirsutismo; 

    - caracterização dos ciclos menstruais; - uso de medicamentos.

  • EXAME FÍSICO:


  • - deve ser dada atenção especial à quantificação do hirsutismo e, principalmente, à presença de virilização. Utilizamos o índice de Ferriman-Gallwey, no qual as pacientes hirsutas podem ser classificadas em grau leve (valores entre 8 e 12), moderado (entre 13 e 18) e severo (acima de 19); 

    - pesquisar sinais clínicos de síndrome de Cushing: obesidade centrípeta, estrias violáceas e hipertensão arterial; 

    - exame ginecológico: avaliar anexos, além de morfologia e sinais de virilização da genitália externa.


    ABORDAGEM DIAGNÓSTICA 

    SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLICÍSTICOS (SOP) 

  • Achados laboratoriais:


  • - relação entre os hormônios luteinizante e folículo- estimulante (LH/FSH) elevada (>3:1); 

    - elevação discreta de testosterona e androstenediona; - SDHEA normal ou pouco elevado; 

    - ultra-sonografia pélvica: ovários aumentados de tamanho, com elevação do estroma e presença de vários microcistos (2 a 6mm). Uma ultra-sonografia normal não afasta o diagnóstico de SOP.

    TUMORES OVARIANOS 

  • Características que sugerem tumor ovariano:


  • - testosterona > 200ng/ml ou 2,5 vezes acima do limite superior da normalidade para qualquer ensaio; 

    - SDHEA normal; 

    - hirsutismo de evolução rápida (meses); 

    - evidência de virilização.

    Os tumores ovarianos associados a aumento dos androgênios são de células lipóides, células de Leydig, arrenoblastomas, disgerminomas, teratomas, cistadenomas, cistadenocarcinomas e luteomas.

    Embora alguns desses tumores possam atingir grandes dimensões, outros são muito pequenos, dificultando o diagnóstico. A avaliação inicial deve incluir a palpação pélvica bimanual e a ultra-sonografia pélvica. Se não houver evidência de tumor e a paciente apresentar forte suspeita clínica, deve-se solicitar laparoscopia para a avaliação de ambos os ovários.

    SÍNDROME DE CUSHING 

  • Diagnóstico laboratorial:


  • - cortisol livre urinário: valores normais variam de 25 a 75µg/m2/24horas; 

    - teste de supressão noturna com dexametasona: administrar 1mg de dexametasona às 23 horas e dosar cortisol plasmático às 8 horas do dia seguinte. Uma dosagem de cortisol acima de 5µg/dl confirma a hipótese de hipercortisolismo. Para o diagnóstico diferencial entre causa adrenal ou hipofisária devem ser realizados testes com doses mais elevadas de dexametasona; 

    - tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética das supra-renais ou da hipófise.

    Os carcinomas da supra-renal podem cursar predominantemente com sinais de virilização. Sugerem tumor adrenal: 

    - SDHEA > 700µg/dl ou 2,5 vezes maior que o limite superior da normalidade de qualquer ensaio; 

    - hirsutismo de evolução rápida; 

    - evidência de virilização; 

    - testosterona > 200ng/dl: pode ser encontrada nos raros casos de tumores adrenais produtores de testosterona.

    HIPERPLASIA ADRENAL CONGÊNITA 

  • Diagnóstico laboratorial


  • Teste do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) na fase folicular do ciclo menstrual: dosar 17OH-progesterona basal (geralmente é normal nesses pacientes); administrar 0,25mg de ACTH, por via endovenosa (EV), em bolo; colher sangue para dosagem de 17OH-progesterona 30 e 60 minutos após; se estiver acima de 10ng/ml, o diagnóstico está confirmado.


    TRATAMENTO 

    Sempre que possível, deve ser dirigido ao fator etiológico.

    MEDICAMENTOS QUE SUPRIMEM A FUNÇÃO OVARIANA 

  • Contraceptivos orais: bloqueiam a secreção de gonadotrofinas (FSH e LH) e elevam a globulina ligadora dos hormônios sexuais (SHBG), diminuindo a fração livre da testosterona. Utilizados no hirsutismo idiopático e na SOP. Usamos com freqüência a associação com acetato de ciproterona.
  • Antiandrogênicos: estes compostos inibem seletivamente a ligação da testosterona livre [diidrotestosterona (DHT)] ao seu receptor. Por este motivo possuem o potencial de feminizar a genitália de um feto do sexo masculino quando administrado a uma mulher grávida.


  • - Espironolactona: é um antagonista da aldosterona que inibe a ligação da DHT ao seu receptor. Dose habitual: 75 a 200mg/dia, por via oral. Efeitos indesejáveis: cefaléia, hipercalcemia, náuseas, hipotensão arterial e irregularidade menstrual. Estes efeitos geralmente melhoram após alguns meses de tratamento.

    - Acetato de ciproterona: é um progestágeno sintético que inibe a ligação da DHT ao seu receptor, além de impedir a secreção de gonadotrofinas. Dose habitual: 50 a 200mg/dia em associação com etinilestradiol em esquema reverso (tomado nos primeiros dez dias do ciclo). Efeitos colaterais: náuseas, ganho de peso, diminuição da libido e sangramento vaginal irregular.

    - Flutamida: liga-se aos receptores de androgênio inibindo diretamente o crescimento do pêlo. Dose habitual: 500mg em associação com contraceptivos hormonais. Apesar de raros, existem relatos de hepatotoxicidade grave. Deve-se, portanto, realizar testes seriados de função hepática.

    TRATAMENTO COSMÉTICO 

  • Eletrólise: coadjuvante em qualquer esquema terapêutico medicamentoso.
  • Laser.



  • RECOMENDAÇÕES IMPORTANTES 

  • A melhora clínica pode ser evidente apenas após os primeiros seis a nove meses de tratamento contínuo.
  • Uma combinação de drogas pode ser mais eficaz que a terapia com uma única droga.
  • As pacientes devem ser alertadas quanto aos riscos ao feto em caso de gravidez, já que a aderência ao uso de contraceptivos orais não é satisfatória nesta faixa etária.



  • REFERÊNCIAS 

    1. Ehrmann DA, Rosenfield RL. An endocrinologic approach to the patient with hisurtism. J Clin Endocrinol Metab 1990;71:1.

    2. Monte O, Longui CA, Calliari LEP. Endocrinologia para o pediatra. 2ª ed. Ed. Atheneu; 1998.

    3. Speroff L, Glass RH, Kase NG. Endocrinologia clínica e infertilidade. 3ª ed. Editora Manole; 1988.

    4. Yen SSC, Jaffe RB. Endocrinologia reprodutiva, fisiologia, fisiopatologia e tratamento clínico. 2ª ed. Editora Roca; 1990.



    1. Endocrinologista do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); doutora em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
    2. Professora-adjunta do Serviço de Endocrinologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da UERJ; doutora em Endocrinologia pela UFRJ.
    3. Mestre em Endocrinologia pela UERJ.

    Fonte: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=197



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