sábado, 10 de maio de 2014

HEMODIÁLISE: Como funciona, cateter e fístulas

HEMODIÁLISE: Como funciona, cateter e fístulas


Um dos tratamentos que mais causa pavor nos pacientes é a hemodiálise. O medo ocorre principalmente pela falta de informação sobre o método. Saiba tudo sobre este procedimento. A hemodiálise (HD) é um dos maiores avanços da medicina. Os rins são os únicos órgãos nobres que podem ser substituídos, ainda que não perfeitamente, por uma máquina. Se você tem uma falência do coração, do cérebro, dos pulmões, do fígado, etc. e não se submeter a um transplante de órgãos, o seu destino será impreterivelmente a morte. Se seu rim entrar em falência, você passará a fazer diálise e ainda poderá viver e ser produtivo por muitos anos. 

Agora, é agradável fazer diálise? Com certeza não. Mas o tratamento tem que ser encarado como uma oportunidade de vida em uma doença que há poucas décadas era fatal. Hoje as pessoas dialisam e levam uma vida próxima do normal, podem sair, trabalhar, ir ao cinema, viajar, praticar exercícios, jantar fora etc.

90% dos pacientes em hemodiálise afirmam que o método não é tão ruim quanto imaginavam. Alguns inclusive nem se interessam por entrar na fila do transplante de tão bem adaptados que ficam.

A diálise parece complexa, mas é extremamente simples. Aprendemos diálise no colégio, mas ninguém conta isso para a gente. Vamos recordar as aulas de biologia, quando aprendemos o conceito de osmose, difusão e transporte passivo. Tá difícil lembrar? Então, vamos ajudá-lo.

COMO FUNCIONA A HEMODIÁLISE?

Toda vez que dois líquidos com concentrações diferentes são separados por uma membrana permeável (ou seja, contenha poros), a tendência é que elas se equilibrem. Após algum tempo, a concentração da substância fica igual dos dois lados. Isto só ocorre se as moléculas da suposta substância forem menores que os poros da membrana. Pense na membrana como uma esponja fina.

Reparem no desenho abaixo. São dois líquidos separados por uma membrana com poro de um fictício tamanho 3. De um lado temos três moléculas de tamanhos diferentes. A vermelha que é maior que o poro (tamanho 4), a amarela que é um pouco menor (tamanho 2,5), e a azul que é bem menor (tamanho 1) 

Hemodiálise
A molécula azul passa facilmente entre os poros e rapidamente entra em equilíbrio. A amarela por ser apenas pouco menor que o poro, demora um pouco mais, mas acaba por equilibrar-se. Já a vermelha é maior que o poro, e não importa quanto tempo demore, ela nunca irá se equilibrar.

Se você entendeu esse conceito, você já entendeu como funciona a diálise.

Existe a hemodiálise, que é feita pelo sangue com um filtro artificial, e a diálise peritoneal, que usa o peritônio, uma membrana que envolve os órgãos abdominais como filtro.

Vou me ater só a hemodiálise neste texto.

Então como funciona a hemodiálise? Veja o gráfico.

Hemodiálise
O paciente insuficiente renal é ligado à uma máquina que puxa seu sangue através de uma bomba circuladora. Esse sangue passa por um filtro que possui uma membrana semipermeável, que retira as toxinas e as substâncias em excesso, e devolve o sangue limpo para o paciente. Existe infusão de heparina para evitar que o sangue coagule dentro do sistema.

Reparem no filtro abaixo. No centro fica o sangue cheio de toxinas e em volta o líquido da diálise (chamado de banho de diálise) sem nenhuma toxina. Eles ficam separados por uma membrana porosa que permite a troca de moléculas. O sangue rico em toxinas, através da membrana do filtro, passa estas substâncias para o banho de diálise que não contém toxina nenhuma.

Se este fosse um processo estático, depois de um tempo aquele sangue em contato com o banho se equilibrariam e não haveria mais trocas. Mas o processo é dinâmico, com o sangue correndo em direção contrária ao banho. Como eles estão em circulação, a diferença de concentração é sempre grande, e não ocorre equilíbrio nunca, pois há sempre sangue saturado de toxinas chegando de um lado e líquido de diálise limpo chegando do outro. Após as trocas, o sangue limpo retorna ao paciente e o banho cheio de toxinas é desprezado.

Hemodiálise
Do mesmo modo que ocorreu no primeiro gráfico, moléculas pequenas passam rapidamente de pelo filtro, as médias demoram algumas horas e as grandes não são filtradas. O poro da membrana tem que ter um tamanho que consiga filtrar a maioria das toxinas, mas também impeça a filtração de moléculas importantes como as proteínas e vitaminas, que costumam ser grandes. Infelizmente não existe dialisador perfeito, e para evitar essas perdas, algumas substâncias tóxicas de grande tamanho acabam não sendo dialisadas.

Do mesmo modo que o excesso de algumas substâncias são filtradas, o excesso de água acumulado pela falta de urina também é retirado durante uma sessão de HD. Em geral, de 1 a 4 litros por sessão. Esse processo é chamado de ultrafiltração.

Uma sessão de hemodiálise convencional para pacientes renais crônicos dura 4 horas. Este é o tempo necessário para a filtragem da maioria das moléculas desejadas e de uma ultrafiltração que não provoque queda da pressão arterial. Em geral são realizadas três sessões por semana.

Na insuficiência renal aguda, que acontece em pessoas com rins previamente normais que são atacados por algum evento, como um sepse ou intoxicação, as sessões de diálise são mais intensas, podendo durar horas e serem diárias. Normalmente são doentes muito graves e internados em CTI.

COMO SE RETIRA O SANGUE PARA HEMODIÁLISE?

Um dos inconvenientes da HD é a necessidade de se puncionar um vaso para puxar e outro para devolver o sangue. A simples punção de uma veia comum não funciona por dois motivos: o primeiro é o baixo fluxo e pressão de sangue das veias periféricas; o segundo é porque as veias superficiais apresentam paredes mais frágeis e depois de várias punções repetidas ficariam inutilizáveis.

As artérias possuem fluxo e pressão elevadas, além de uma parede mais forte. Porém, elas são profundas e de difícil punção.

A solução para esse problema veio através da construção das fístulas artério-venosas. Pacientes em diálise são submetidos a uma pequena cirurgia vascular onde se liga uma artéria a uma veia, criando um vaso periférico, com alto fluxo e mais resistente a punções repetidas.

Hemodiálise
Fístula para hemodiálise
A veia quando passa a receber o alto fluxo da artéria, começa a se desenvolver, crescendo e engrossando sua parede. Com o tempo a fístula adquire o aspecto mostrado na foto ao lado. Trata-se de um grande vaso bem visível, com alto fluxo e pressão de sangue e facilmente puncionável.

O problema da fístula é que esta precisa de pelo menos um mês para se tornar apta à punção pelas grossas agulhas da hemodiálise. Nem todos os pacientes podem esperar por este intervalo para começar a dialisar. Neste caso, lança-se mão do cateter de hemodiálise. Este cateter é introduzido geralmente na veia jugular interna, localizada no pescoço, que prolonga-se até a veia cava, próximo à entrada do coração. É um procedimento de 30 minutos e o paciente pode seguir imediatamente para hemodiálise.

Cateter venoso central na veia jugular
Cateter venoso central para hemodiálise
Cateter venoso central para hemodiálise
Cateter venoso implantado na veia jugular interna

Repare na foto acima que uma extremidade do cateter fica para fora e a outra dentro da veia cava, próximo ao coração. A parte externa do cateter venoso central para hemodiálise possui duas vias, uma para levar o sangue até a máquina de hemodiálise e outra para devolvê-lo. Enquanto a fístula não estiver pronta, o paciente dialisa pelo cateter.

Então por que não utilizar o cateter sempre? Apesar de já existirem cateteres de longa duração, que podem permanecer por alguns meses, eventualmente todos eles serão infectados por bactérias residentes na nossa pele. Através do cateter essas bactérias conseguem acesso a nossa circulação sanguínea podendo levar a um quadro grave de sepse.

O cateter também não consegue fluxos de sangue bons, não proporcionando uma hemodiálise tão eficiente quanto a fístula.

Portanto, o cateter de hemodiálise é uma solução provisória e deve ser sempre substituído pela fístula o mais rápido possível. Quando não é possível estabelecer uma fístula a curto prazo, a preferência deve ser sempre pelo cateter tunelizado de longa duração. Atualmente os cateteres temporários de curta duração só devem ser usados em casos urgentes. Qualquer doente com previsão de permanecer em hemodiálise por mais de 15 dias deve ter seu cateter provisório substituído por um de longa duração, para reduzir o risco de infecção do cateter.

A HEMODIÁLISE SUBSTITUI OS RINS PERFEITAMENTE?

Não. O problema é que o rim não é apenas um mero filtro do sangue, ele exerce várias outras funções no nosso organismo.

Quais são essas funções e como a diálise substitui o rim nesses casos ?

1.) Controle da água corporal

Os rins, através da urina, mantém sempre o nível de água corporal mais ou menos constante. Se estamos desidratados, urinamos menos. Se ingerimos muita água, urinamos mais.

A hemodiálise quando bem feita consegue manter um balanço razoável de água. O processo de retirada de água na HD é chamado de ultrafiltração (UF). Como a maioria dos doentes em diálise já não mais urina, toda água ingerida fica no organismo até a próxima sessão de HD.

Em geral, o corpo tolera uma ultrafiltração de no máximo 4 litros por sessão de hemodiálise (1 litro por hora). Uma ultrafiltração maior pode levar a hipotensão.

Portanto, o paciente renal crônico em HD deve controlar a ingestão de líquidos para não ganhar mais do que 1 kg por dia (1 litro de H2O = 1 kg). Alguns doente não fazem nenhum tipo de controle e às vezes chagam para hemodiálise com 6-7 kg acima do peso. Em geral não toleram retirar todo esse excesso durante a HD e voltam para casa com líquido a mais.

Se o doente permanecer sempre ganhando mais peso do que consegue perder, começam a surgir hipertensão grave, edema das pernas, falta de ar, e em alguns casos, edema agudo do pulmão, uma condição grave, onde o pulmão fica encharcado de água e o paciente morre como se estivesse se afogando.

2.) Controle do nível de eletrólitos (sais minerais tipo sódio, potássio e fósforo)

Alguns eletrólitos do sangue como potássio (K+) e sódio (Na+) são facilmente dialisados. Outros como o fósforo, são substâncias que ficam muito mais dentro das células do que na corrente sanguínea, e por isso, são dialisados menos eficientemente.

É importante lembrar que a diálise é feita apenas 3x por semana nos renais crônicos, portanto, mesmo as substâncias facilmente dialisáveis como o potássio, sofrem acumulo durante o período interdialítico. E quando em excesso, o potássio pode levar a arritmias cardíacas e morte súbita. Para se evitar esse problema, o doente renal crônico deve ter uma dieta pobre em potássio.

Os rins são muito mais eficientes no controle do fósforo do que a hemodiálise. Por isso, o paciente em HD também deve controlar o ingestão e usar medicamentos que impeçam a absorção do fósforo contido nos alimentos (Carbonato de cálcio ou Renagel).

O excesso de fósforo está associado a uma maior taxa de lesões nos ossos, complicações cardiovasculares e de mortalidade na diálise. O rim trabalha 24 horas por dia durante 7 dias da semana para controlar os níveis dos eletrólitos. A HD só o faz por 4 horas por dia e 3x por semana. Não se pode consumir o mesmo tipo de comida nos dois casos. O doente renal crônico tem que ter uma dieta específica.

3.) Controle do pH do sangue

O controle dos ácidos no organismo segue o mesmo pensamento dos eletrólitos. O corpo produz substâncias ácidas ininterruptamente e o rim as elimina conforme necessário. O doente renal crônico só consegue eliminá-las 3x por semana e passa a maior parte do tempo com o sangue mais ácido do que o normal. O excesso de ácido no sangue leva a uma maior lesão dos ossos, maior consumo de músculo e diminuição da função de várias células no organismo.

4.) Controle da pressão arterial

A pressão arterial no doente em HD está intimamente ligada a quantidade de água corporal. Doentes que não controlam a quantidade de sal que comem, sentem mais sede uma vez que não há rim para eliminar o excesso de sódio. O doente com sede bebe mais água e costuma ganhar mais líquido do que consegue retirar na HD, como explicado no item 1.

Os doentes bem dialisados e que fazem controle da ingestão de água, costumam ter pressões arteriais normais, mesmo sem medicações anti-hipertensivas e ausência de edemas no corpo.

5.) Síntese de hormônios que estimulam a produção de hemácias (glóbulos vermelhos)

Os rins produzem um hormônio chamado de eritropoetina, que estimula a medula óssea a produzir as hemácias. O rim do renal crônico não consegue produzi-la e o resultado final é o surgimento de anemia.

O renal crônico com anemia deve tomar injeções de eritropoetina artificial para manter níveis aceitáveis de glóbulos vermelhos. O valores de hemoglobina desejáveis no renal crônico estão entre 11 e 12 g/dl (um pouco abaixo do normal na população normal).

Doentes insuficientes renais crônicos também apresentam ferro sanguíneo mais baixo, e sua reposição às vezes se faz necessária para correção da anemia.

6.) Controle da saúde dos ossos através da produção de vitamina D

O rim ativa a vitamina D, que por sua vez, controla a saúde dos ossos. O paciente renal crônico apresenta carência desta vitamina, que junto com o hiperparatireoidismo (funcionamento excessivo da paratireóide), leva a lesões graves do ossos.

Os pacientes em diálise podem precisar de vitamina D sintética e medicamentos que inibam a função a paratireóide (Cinacalcet). Em casos mais graves pode ser preciso inclusive a retirada cirúrgica da paratireóide (não confundir com a tireóide)

Como vocês podem ver, a hemodiálise está longe de ser um perfeito substituto para o rim.

O rim normal filtra 100ml de sangue por minuto => 6000 ml (6 litros) por hora => 144000 ml (144 litros) por dia => 1008000 ml (1008 litros) por semana.

A diálise em média filtra 300 ml de sangue por minuto => 18000 ml (18 litros) por hora => 72000 ml (72 litros) por 4 horas de HD => 216000 ml ( 216 litros) por semana em 3 sessões de HD.

Ou seja, em 1 semana o rim normal filtra 1008 litros de sangue enquanto que, 3 sessões de HD apenas 216 litros, quase 5x menos. Apesar de não ser o ideal, a HD é suficiente para manter o paciente vivo e produtivo.

Fonte: Pedro Pinheiro - MDSaúde 
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