domingo, 6 de abril de 2014

Tratamento cirúrgico da incontinência urinária de esforço

Tratamento cirúrgico da incontinência urinária de esforço


Este texto foi atualizado pela última vez em 26 de junho de 2006.


Rodrigo A. Castro
Diogo J. Palhares
Marair Gracio Ferreira Sartori
Edmund Chada Baracat
Manoel J. B. C. Girão
A incontinência urinária, assim como o prolapso genital, é afecção que traz sérias repercussões à qualidade de vida da mulher, modificando-a nos aspectos sociais, emocionais e econômicos. A sua prevalência é extremamente variável, pois depende da faixa etária e da população estudada. Alguns trabalhos mostram que a prevalência nas mulheres jovens varia de 12% a 42%, já em mulheres na pós menopausa varia de 17% a 55%. Em nosso meio, cerca de 10% das pacientes que procuram os ambulatórios de Ginecologia têm, como queixa principal, a perda urinária (1, 2, 3, 4, 5).
 
Inúmeros são os fatores riscos envolvidos no desenvolvimento da incontinência urinária onde se destacam idade, raça, paridade, tipo de parto, índice de massa corpóreo, cirurgia ginecológica, estado hormonal, uso de medicações, álcool e cafeína; comorbidades como a  hipertensão arterial e o diabetes e, ainda, o status sócio econômico. Entre os vários fatores assinalados, devemos ressaltar o número de gestações e o tipo de parto por lesionar de forma importante o sistema de suspensão e sustentação dos órgãos pélvicos. A lesão do assoalho pélvico ocorre, em geral, pela compressão de partes fetais contra tecidos maternos o que determina secção e estiramento de músculos e nervos e, ainda, desarranjo estrutural do tecido conjuntivo e das fáscias, alterando toda a estática pélvica, podendo ocasionar perda de urina (6).
 
É relativamente freqüente a associação entre prolapso uterino ou distopia de parede vaginal anterior com incontinência urinária de esforço e bexiga hiperativa (7). O grau de prolapso não se associa à intensidade nem ao tipo de perda urinária.
    
Quando há incontinência urinária de esforço associada com prolapso genital deve-se tratar simultaneamente ambas afecções.
 
O grande número de teorias explicando a etiopatogenia da incontinência urinária de esforço além dos inúmeros fatores de risco envolvidos, conduziram, ao longo do tempo, à elaboração de várias formas de tratamento. O tratamento cirúrgico ainda permanece como a principal forma terapêutica.
 
Já foram descritos aproximadamente 100 técnicas cirúrgicas para a correção da incontinência urinária de esforço. Atualmente, as técnicas de eleição têm índices de cura acima de 80%. Algumas, como a de Kelly-Kennedy, foram abandonadas por apresentarem resultados insatisfatórios quando comparadas a outros procedimentos. Sabe-se que a escolha da técnica cirúrgica é importante, pois a melhor oportunidade de cura está na primeira operação. Os índices de cura caem progressivamente à medida em que a paciente se submete a procedimentos cirúrgicos consecutivos.
 
Cirurgias para correção da incontinência urinária de esforço
 
As principais cirurgias para correção de incontinência urinária de esforço podem ser classificadas de acordo com a via de acesso cirúrgico da seguinte forma:
 
01. Cirurgia com acesso vaginal:
  • Kelly-kennedy. 
02. Cirurgias com acesso por via retropúbica :
03. Cirurgias com acesso por via combinada:
 - de aponeurose
 - de mucosa vaginal
  •  Técnicas com faixas sintéticas sem tensão 
Técnicas
 
Técnica de Kelly-Kennedy
 
ENCONTRA-SE EM TOTAL DESUSO
 
Técnica de Marshall-Marchetti-Krantz
 
É procedimento retropúbico descrito em 1949. Consiste na aplicação de 3 pontos a cada lado da uretra, distando 1 cm entre si, fixando a fáscia peri-uretral ao periósteo da face posterior da pube, com o objetivo de reposicionar o colo vesical. Apresenta índices de cura acima de 70%. Esta técnica já foi muito utilizada, porém, foi gradualmente substituída pela técnica de Burch. Como complicação relata-se a osteíte púbica. Além disso, por aumentar o espaço reto-uterino, tem maior risco de prolapso genital, em especial, de retoenteroceles.
 
Técnica de Burch
 
Foi descrita em 1961 e consiste na fixação da fáscia paravaginal ao ligamento ileopectíneo (Ligamento de Cooper). Os índices de cura variam de 70% a 100%. Da mesma forma que a cirurgia de Marshall-Marchetti-Krantz, proporciona maior risco de prolapso do compartimento posterior da vagina. Não é indicada para incontinência urinária de esforço causada por defeito esfincteriano e deve ser evitada nas pacientes com sobrepeso devido ao risco potencial de angulação do ureter. Pode ser realizada por via laparoscópica, porém essa via parece não apresentar vantagens significativas sobre a técnica convencional(8).
 
A técnica de Burch tem sido gradualmente substituída pelas cirurgias de faixa sintética (particularmente pelo TVT), pois estas têm índices de cura semelhantes, mas são indicadas para a correção de todos os tipos de incontinência urinária de esforço e têm menor morbidade. Entretanto, ainda é uma técnica bastante utilizada, particularmente quando associada a tratamento cirúrgico de miomas uterinos por via abdominal.
 
Técnicas de “slings
 
Foi descrita pela primeiramente em 1907 por Giordano, que utilizou uma dobra do músculo grácil. Atualmente, as técnicas de “slings” utilizam vias de acesso combinadas que consistem na colocação de uma faixa (sling) sob a uretra, que servirá de suporte para a mesma, funcionando como um mecanismo esfincteriano. São indicadas para todos os tipos de incontinência urinária de esforço, especialmente nos casos de incontinência por defeito esfincteriano. Têm índices de cura que variam entre 80% e 100%, porém, se acompanham de altos índices de retenção urinária e de hiperatividade do detrusor, que são suas principais complicações. Tem efeito protetor para a recorrência de cistocele (9). As técnicas descritas diferem em relação ao material utilizado, que pode ser orgânico (autólogo ou heterólogo) ou sintético, em relação ás vias de acesso e ao tipo de fixação.
 
Na Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina realizamos a cirurgia de “Sling” utilizando faixa de aponeurose do músculo reto abdominal ou retalho de mucosa vaginal. Resultados preliminares de estudos em andamento comparando as duas técnicas, mostram que ambas têm resultados semelhantes, com índices de retenção urinária pós-operatória mais elevados quando se utiliza a aponeurose do músculo reto abdominal. Não recomendamos o uso de material heterólogo adaptado, pelos altos índices de complicações e pelo não respaldo dos órgãos reguladores e falta de evidências na literatura. Mantemos sondagem vesical de demora por 48 horas após as quais, a sonda é removida e o resíduo pós miccional é mensurado. Se houver resíduo miccional elevado, a sonda vesical é mantida por 7 dias.
 
Faixas sintéticas
 
A técnica cirúrgica ideal é aquela que proporciona uma intervenção eficaz, com pouca morbidade, minimamente invasiva, com tempo de hospitalização e imobilização reduzidos e resultados duradouros. Para alcançar estes objetivos, idealizou-se a técnica de TVT (Tension-free Vaginal Tape), na qual coloca-se uma faixa de polipropileno auto-fixante e livre de tensão sob a uretra média. É usualmente realizada por via retropúbica, sob anestesia local, em regime de Hospital Dia. Sendo praticamente indolor, a paciente retorna às suas atividades rotineiras em três ou quatro dias. Esta técnica tem índices de cura acima de 80%.
 
Após um período de monopólio do TVT (10), várias faixas sintéticas passaram a ser comercializadas, produzidas por vários laboratórios e diferindo entre si nos seguintes aspectos:
 
01. Características da faixa: 
  • absorvível, não-absorvível ou mista
  • monofilamentar ou multifilamentar
  • macroporosa ou microporosa 
02. Vias de acesso:
  • Via ascendente (retro-púbica, pré-púbica)
  • Via descendente retro-púbica
  • Via mista
  • Via transobturadora - in-out (Gynecare TVT Obturador System-TVTO), out-in (Safyre)
Entre as várias técnicas descritas até o momento, o TVT e similares são as que apresentam o maior número de publicações confirmando sua eficácia. Estudos comparativos são necessários para determinar quais são as melhores indicações de cada técnica na terapêutica atual.
 
Cirurgias para correção das distopias genitais
 
Correção de cistocele
 
É a técnica utilizada para a correção da procidência da parede vaginal anterior. Visa re-estabelecer a integridade da fáscia endopélvica pela plicatura da fáscia endopélvica.
 
Correção de retocele
 
Consiste na aproximação das margens dos feixes puboretais na linha mediana, reduzindo o hiato genital, restaurando o assoalho pélvico lesado. É a técnica utilizada para a correção da parede vaginal posterior, podendo ser associada à plicatura da parede anterior do reto (Método de Meigs).
 
Correção da rotura perineal ( Perineoplastia)
 
É comumente associada á correção de retocele. Consiste na reconstrução cirúrgica das roturas perineais através da aproximação das bordas dos músculos do diafragma urogenital na linha média. Se a rotura envolver o esfíncter anal, este deverá ser reconstruído.
 
Correção cirúrgica do prolapso uterino
  • Operação de Manchester (Donald-Fothergill-Shaw) - Trata-se de técnica cirúrgica conservadora, que visa à manutenção da função reprodutora. Consiste na secção e encurtamento dos paramétrios laterais e útero-sacrais, com amputação do colo do útero se houver alongamento hipertrófico do mesmo. É técnica praticamente abandonada, sendo indicada apenas nos raros casos de prolapso uterino em pacientes jovens, sintomáticas e com prole incompleta.
  • Histerectomia vaginal - É a cirurgia de escolha nos casos de prolapso uterino em pacientes sem desejo reprodutivo. A primeira histerectomia vaginal foi realizada em 1521 por Berengário de Capri (11) por meio de uma ligadura colocada ao redor do útero prolapsado, que era gradualmente apertada até a separação do órgão. Hoje em dia realiza-se a histerectomia vaginal pela secção e ligadura dos vasos e paramétrios por via vaginal. Após a retirada do órgão, os ligamentos são fixados à cúpula vaginal para impedir o seu prolapso.
Quando há incontinência urinária de esforço concomitante, associa-se a técnica da “sling” ou TVT.
 
Bibliografia
 
1. Souza AZ. Stress incontinence of urine. Int Surg 1976;61:396-402.
 
2. Ribeiro RM, Anzai RY, Guidi H. Incontinência urinária de esforço: diagnóstico e tratamento. Rev Bras Med 1990;47:553-61.
 
3. Diokno AC, Brock BM, Brown HB, Herzog AR. Prevalence of urinary incontinence and other urologic symptoms in the non institutionalized elderly. J Urol 1986;136:1022-5.
 
4. Roberts RO, Jacobsen SJ, Rhodes T, Reilly WT, Girman CJ, Talley NJ, Lieber MM. Urinary incontinence in a community-based cohort: prevalence and healthcare-seeking. J Am Geriatr Soc 1998;6:467-72.
 
5. Berghmans LCM, Hendrikis HJM, Bo K, Hay-Smith EJ, de Bies RA, van Waalwijk, van Doorn ESC. Conservative treatment of stress urinary incontinence in women: a systematic review of randomized clinical trials. Br J Urol 1998;82:181-9
 
6. DeLancey JO. Stress urinary incontinence: where are we now, where should we go? Am J Obst Gynecol 1996;175:311-9.
 
7. Rozenzeweg BA- Severe genital prolapse and its relationship to detrusor instability. Int. Urogynecol. J, 6:86, 1995.
 
8. Bezerra CA, Rodrigues AO, Seo AL, Ruano JM, Borrelli M, Wroclawski ER- Laparoscopic Burch surgery: is there any advantage in relation to open approach? Int. Braz. J. Urol; 30(3):230-6, 2004 May-Jun.
 
9. Goldberg RP; Koduri S; Lobel RW; Culligan PJ; Tomezsko JE; Winkler HA; Sand PK- Protective effect of suburethral slings on postoperative cystocele recurrence after reconstructive pelvic operation. Am J. Obst. Gynecol, 1307-1313,dec 2001.
 
10. Hermieu JF;Milcent,S- Les bandelettes sous-urétrales synthétiques dans le traitement de l’incontinence urinaire d’effort feminine. Progrès en Urologie 2003; 13: 636-664
 
11. Simões PM, Chaves SN, Araújo MMA – Histerectomia vaginal – estudo de 420 casos. Ver. Brás. Ginecol. Obstet, 9:34, 1987.

Fonte: http://www.uroginecologia.com.br/index/?q=node/21




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